quinta-feira, 15 de abril de 2010

Percy Jackson

Deixe-me fazer uma pequena revisão de como foi minha vida de leitor com a mitologia grega. Acreditem, é importante: Lá pelos idos de 19XX, um jovem Black (que não tinha ainda o ódio no seu peito contra tudo que é livro ruim que possa existir) aprendia as letras com tudo que viesse pela frente. BenzaDeus meus pais não liam Paulo Coelho.
Nessa incursão, passei pela fantástica série O Sítio do Pica-Pau Amarelo. Sério, acho que as crianças de hoje são infelizes por não conhecerem a obra de Monteiro Lobato, ela me ensinou MUITAS coisas. Na saga de Lobato, havia uma curiosa aventura em que o pessoal do sítio pegava carona nas viagens de LSD e visitava a Grécia Clássica, de heróis e titãs, deuses e virgens maravilhosas vestindo apenas toga e encontram Herácles, ou Hércules, em meio aos seus famosos 12 trabalhos.



Pausa para um adendo: Apesar do que muita gente acha, existem várias versões dessa mesma história, e em muitas delas a tragédia do herói é suavizada. E assim é com a versão do sítio, afinal, era um livro para crianças. O gigantesco filho de Zeus acaba encantado com aquele pessoal, incluindo a espevitada Emília, e aceita a ajuda deles para enfrentar seus trabalhos. A partir daí, vamos conhecendo muito da mitologia grega e até mesmo outros heróis. Depois dessa incursão alucinada pela Grécia dos heróis, eu fiquei afastado por anos, sempre pegando aqui e ali informações sobre aqueles deuses e suas estripulias.

Digo, o fato de eles serem os mesmos que os romanos dá um nó no seu cérebro. E ainda tem que tentar ligar os pontos. Sério, Zeus vira Júpiter e Poseidon/Netuno? Os romanos realmente não sabem nomear nada.

E aí veio Cavaleiros do Zodíaco. Não preciso explicar, certo? Convicto de que os deuses apenas nos odeiam e Athena é uma deusa chorona, que luta como o seu irmão de 3 anos, eu resolvi deixar de lado e apenas admirar de longe os gregos e seus épicos. É, foi uma atitude bem covarde, mas fazer o quê? Sempre que podia eu voltava a ler um pouco sobre Hércules, ver a série de tevê, admirar Lucy Lawless como Xena, enquanto via que ninguém respeitava os clássicos, e tentar entender mais um pouco da mitologia. Até agora.



Admito, quando Percy Jackson saiu, eu olhei pra capa e achei interessante, por parecer bem autoral, digno de uma arriscada. Aí anunciaram o filme e meus conceitos caíram um bocado, já que, pra variar, estava vindo mais um Harry Potter. Curiosamente, o filme um de Harry teve o mesmo diretor do primeiro de Percy: Chris Collumbus. "Certo, vamos arriscar.", pensei, e lá fui ver. Falo do filme mais a frente, agora quero falar do que me surpreendeu: A série literária.

O Ladrão de Raios



Sinceramente? Eu sei que Percy Jackson não é um furor literário, uma ode aos clássicos gregos, muito menos um livro de potência infinita. É um livro infanto-juvenil muito bem escrito, isso sim. E consegue o feito de não enjoar, ter situações previsíveis e não estragar a condução do roteiro e, mais, revitalizar alguns mitos com idéias geniais sem perder as referências originais. Até a idéia de semi-deuses se torna mais palatável. Saca a sinopse básica:

- Percy Jackson é um garoto de doze anos com vários problemas: Acostumado a ser expulso de colégios e ser considerado problemático, ele tem DDA (desvio de atenção), hiperatividade e dislexia, impedindo que possa aprender muito nas escolas por onde passa. Na sua atual, é atormentado por uma guria ruiva líder de gangue, uma professora rabugenta e um professor dedicado, mas que pega no pé dele. Assim, sua única amizade é um garoto com problemas nas pernas chamado Grover. Um belo dia (só pra variar) seu azar foi tanto que sua professora se transformou na sua frente e tentou atacá-lo. Pra compensar, sua vida vira de cabeça pra baixo e Percy descobre que é mais do que aparenta, sendo o filho de um Deus.

Quem viu o filme antes de ler o livro já sabe QUEM é o pai de Percy. Aliás, nem precisa, é só ver o cartaz do filme, isso por si só já basta. Mas no livro essa descoberta não é tão rápida, dando pequenas dicas ao longo dos capítulos e, quando acontece, muda muito a forma como os outros vêem o protagonista. E a forma como isso conduz à missão dele, atravessando o país com os amigos é muito mais crível que a do filme, só que apela um pouco para a coincidência. Outra, o livro apresenta uma trama mais elaborada por trás do simples roubo do raio de Zeus (ah, claro).

Os personagens do livro são bem profundos, apesar de demorarem um pouco para saírem dos esteriótipos. Grover é o amigo medroso, mas de grande coração; Annabeth é a amiga sabichona e metida; Quíron é o mentor com segredos, que sempre dá bons conselhos e faz de tudo para poupar o protagonista. Já vimos esses personagens antes e isso poderia ser um defeito grande da série. Não fosse que esses personagens realmente desenvolvem entre um livro e outro, ao contrário de muitos outros que estagnam. Mais, como o livro é narrado pelo próprio Percy, vemos como a visão dele muda sobre todos, e ainda assim é possível gostar de personagens que ele não gosta. Sr. D., que ficou excluído do filme, é um desafio cômico da obra, variando do escracho para um personagem terrível, maldoso.

Se o Ladrão de Raios faz algo bem, é iniciar uma mitologia própria, deixando um espaço bom para os livros que vêm em seguida.

O Mar de Monstros



O segundo livro tem um trabalho muito maior do que os que Percy enfrenta: Continuar com qualidade a história de O Ladrão de Raios. E consegue. Em O Mar de Monstros somos apresentados a muitos novos personagens e, ainda assim, a história é contada de tal forma que nenhum coadjuvante é deixado de lado. Mais, algumas das perguntas não respondidas do primeiro livro começam a ganhar explicações neste e certos mistérios são desvendados.

O que eu mais gostei é a forma como trabalham com o personagem Tyson. A princípio um simples substituto de Grover (já que o mesmo não está disponível), Tyson ganha uma identidade própria e serve como bom companheiro de batalha, apresentando um esteriótipo que geralmente serve apenas para personagens distantes do protagonista: o coadjuvante que tem grandes problemas, mas é muito bom no que faz e por isso as pessoas gostam dele. Não é bem assim que funciona com Tyson, dando mais integridade a ele.

Também temos aqui o primeiro embate de verdade entre Percy e seu antagonista, demonstrando que Percy Jackson não nivela por baixo. O vilão é realmente poderoso e nem um pouco burro. Se o filho de Poseidon (ah, até agora vocês já sabem, nem vem) consegue sobreviver e até mesmo vencer, é porque ele realmente se esforça para isso. Mesmo os auxílios dos deuses não são gratuitos e geralmente apresentam cenas memoráveis. O momento em que ele encontra Hermes na praia é impagável e bem o que eu imaginava.

O Mar de Monstros é bom, mas não é perfeito. Demorei mais para ler do que esperava (o que não é muito, já que li em três dias), já que tinha ficado empolgado com O Ladrão de Raios, mas serviu bem para fazer ponte com A Maldição do Titã.

A Maldição do Titã/A Batalha do Labirinto



O livro transitório da série, ao menos é o que se pode sentir quando termina e já embarca em A Batalha do Labirinto. Primeiro, falemos do terceiro livro. A história começa quase assim que O Mar de Monstros acaba, com Percy tendo de lidar com sua nova companheira e ainda compreender qual sua relação com seus amigos, Annabeth e Grover. Pior, quanto mais Percy conhece os outros deuses, mais ele sente que tem algo errado nessa história e encontrar Artémis e Apolo (os gêmeos mais esquisitos que eu já vi) não ajuda muito nessa percepção.

Para ser sincero, A Maldição do Titã teve muito mais situações previsíveis que os primeiros livros e ao mesmo tempo teve as sacadas mais inteligentes da série, principalmente com os irmãos Di Angelo. Não demorei mais do que uma dúzia de páginas para compreender quem era o/a deus/deusa que gerou os dois, mas a forma como isso eles se encaixam na trama foi muito melhor do que eu esperava. E tem ainda a questão referente ao General, vilão do livro. O personagem grego sempre me foi apresentado como alguém um tanto inteligente, um tanto malévolo, mas nunca tão poderoso ou criminoso quanto a versão de Percy Jackson. O encontro dele com os personagens será sempre memorável.

Por outro lado, A Maldição do Titã me deu uma séria sensação de ser apenas transitório, assim como Harry Potter e o Príncipe Mestiço é para Harry Potter e as Relíquias da Morte. O fim do livro é a porta direta para a grande bomba do seguinte, com uma das passagens de tempo mais curtas entre cada um. Assim que A Batalha do Labirinto começa, já dá pra sentir como a encrenca vai ser grande e o limite de azar do protagonista vai ser testado ao limite. Quando abrimos o primeiro livro e ele declara que sua vida é uma droga, em partes, graças ao seu enorme azar... Bom, eu não imaginava que tanto assim.

Sendo justo, A Batalha do Labirinto é, disparado, o melhor livro da série. Todos os personagens são testados, todas as mudanças de caráter são palatáveis e até mesmo as cenas de ação, que estavam um tanto desproporcionais desde a batalha com Ares no primeiro, melhoraram muito. Percy e Anteu (é apenas um nome, não reclamem) foi empolgante, por conter tanto a habilidade do garoto quanto sua inteligência. Espero mais batalhas assim daqui pra frente (sendo que a última do terceiro livro me decepcionou um pouco). E o final do livro é um chute direto nas regiões baixas, te dizendo: Acha que é o pior que pode acontecer? Eu posso ser mais ainda. Porém, graças ao capítulo que encerra a obra, um tanto de alívio aparece, com a conversa entre Percy e... Bom, dois personagens que eu não esperava ver tão cedo de novo.

O Filme



Não poderia sair hoje sem falar um tanto da adaptação propriamente dito. Minto, a reformulação, ou melhor, o filme BASEADO em Percy Jackson e o Ladrão de Raios. A verdade é que, após ter lido tudo até agora, percebo como o filme foi preparado para testar uma teoria: Se envelhecermos um pouco os personagens, separamos do estigma de Harry Potter (apesar de ter o mesmo diretor) e conseguimos elaborar uma franquia, confere? Confere, claro, Chris Collumbus. Eu gostei do filme, tanto que quis ler o livro (já queria antes, mas o filme acelerou o processo), só que, sou obrigado a dizer: Como adaptação, o filme é uma boa comédia infantil.

A distância entre o filme e o livro começa já na descoberta sobre sua real identidade: De cara, Grover entrega o jogo e diz o nome do pai de Percy, destruindo metade do suspense da história. A partir daí filme e livro vão se distanciando cada vez mais, até o ápice no Acampamento Meio-Sangue. Enquanto que na versão literária Annabeth e Percy se encontram quando ele está na cama do ambulatório do acampamento, na versão cinematográfica o garoto admira enquanto ela treina com arcos e espadas, reparando em como ela é habilidosa e ao mesmo tempo séria, um tanto braba. Pausa. Sim, na versão cinematográfica eles criaram uma Annabeth misturando ela própria com Clarice, filha de Ares. Por isso que vimos no cinema ela tentando dar uns cascudos no rapaz.

Outro ponto bem distonante é como o filme faz crer que Percy é único, filho do poderoso Poseidon e que isso o torna escolhido. Fica então, bem subentendido, que apenas ele pode fazer todas as proezas que faz. Bem, se pretendem mesmo manter a franquia, vão precisar mudar muito mais do segundo livro em diante. Mais, como eliminaram praticamente toda a presença dos deuses até o momento do Olimpo, a discussão de Percy com os filhos de Ares vai parecer apenas birrinha de adolescente. O que me leva a um terceiro ponto: Na série de livros, surge uma espécie de profecia que incumbe Percy (ou outro filho de um grande deus) a uma tarefa quando ele completar dezesseis anos. Dizer mais seria spoilear, mas é preciso entender que essa profecia fica inviabilizada nos filmes, já que ele JÁ TEM DEZESSEIS ANOS! Para ser mais explicito, assim como em Harry Potter, Percy Jackson e os Olimpianos passa, praticamente, um livro por ano, ou seja, ele leva cinco livros para chegar aos 16! É... Pois é. Não preciso dizer mais.

O filme não é ruim. Existem boas sacadas que ele introduz e que funcionam melhor que nos livros, inclusive sobre o encontro com alguns monstros. No entanto, são situações que não justificam as alterações monstruosas de conceito e, pra variar, o livro continua sendo melhor que o filme. Sugiro que curtam os dois e aproveitem.

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